Mineradores Urbanos – Revista Exame

Trata-se, no entanto, de uma cadeia de logística reversa complexa. As placas de circuito impresso que contêm metais preciosos, por exemplo, estão presentes tanto em celulares, fáceis de transportar, quanto em geladeiras e máquinas de lavar. Isso faz com que o custo de coleta dos eletroeletrônicos seja maior do que o de outros materiais recicláveis, dificultando a criação de uma cadeia baseada em catadores, como no caso das latas de alumínio e das garrafas de plástico. Essa dificuldade explica a opção de Oliveira, fundador da Reciclo. A companhia atende sobretudo clientes corporativos interessados no descarte dos equipamentos usados nos escritórios, que são reformados e revendidos ou reciclados, com a extração de materiais preciosos. “É mais fácil ganhar dinheiro com grandes clientes do que fazer a coleta pulverizada do descarte de pessoas físicas”, diz Oliveira.

Superar o gargalo logístico de chegar ao consumidor final é a meta da Gaia Greentech, criada em 2018 pela engenheira de materiais Thalita Braga, de 29 anos, com dois sócios. A ideia da empresa surgiu quando Thalita precisou descartar lâmpadas e outros equipamentos eletroeletrônicos. A startup passou por algumas aceleradoras até se estabelecer no Onovolab, um campus de inovação instalado em uma antiga indústria têxtil em São Carlos, no interior de São Paulo. Segundo Thalita, atualmente a Gaia está na primeira fase de desenvolvimento, focada na conscientização dos consumidores sobre o problema. Em parceria com a prefeitura, a empresa espalhou pontos de coleta de lixo eletrônico pela cidade. Paralelamente, a startup desenvolve um sistema de logística e uma certificação baseada em -blockchain, a mesma tecnologia utilizada nas moedas virtuais. O objetivo é garantir a rastreabilidade dos produtos coletados, que será importante quando as fabricantes de eletrônicos forem de fato obrigadas a prestar contas de suas cotas de reciclagem. “Precisamos passar por essa fase de educação ambiental dos consumidores”, diz Thalita. Na mesma proposta de tornar viável a coleta pulverizada, o empreendedor Luiz Grilo montou a Residuall, em Belo Horizonte. A empresa tem sistemas que traçam as melhores rotas para as coletoras de resíduos. O software leva em consideração o tipo de equipamento que será coletado e determina o transporte adequado. A startup começou como um projeto de iniciação científica na Universidade Federal de Minas Gerais em 2017. De lá para cá, recebeu dois aportes: o primeiro foi feito pelo Sistema Mineiro de Inovação, um programa do governo estadual, no valor de 88 000 reais, e o segundo, de 120 000, veio de um investidor-anjo. A Residuall também opera em outros segmentos, como o de reciclagem de óleo de cozinha, e tem clientes como a processadora de grãos Cargill. “Muitos ainda enxergam os resíduos como problema, não como um mercado”, diz Grilo. “Mas essa percepção vai mudar.”

Embora seja uma atividade potencialmente rentável, a logística reversa pode ficar inviável em alguns rincões do país. O principal impasse relacionado à nova lei está justamente na definição de quem deve pagar a conta da cara logística reversa Brasil afora, mesmo em locais que não sejam economicamente viáveis. Por enquanto, o acordo setorial prevê que os fabricantes atuem em todos os municípios brasileiros com mais de 80.000 habitantes. Na Europa, é cobrada uma taxa dos consumidores. A proposta da associação da indústria de eletroeletrônicos é semelhante, sendo que o valor viria especificado na nota fiscal. Esse modelo enfrenta resistência no governo porque, na prática, significaria a medida impopular de criar mais um tributo. No médio prazo, há outra dificuldade a ser enfrentada: os equipamentos eletrônicos usam uma quantidade cada vez menor de metais preciosos. Enquanto a tonelada de placas de computador Pentium 3 contém 150 gramas de ouro, a de Pentium 4 tem 50 gramas. Pesquisadores começam a estudar maneiras de tornar a mineração urbana menos custosa. No Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer, baseado em Campinas e ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, o projeto Rematronic desenvolve um método mais barato de separação de metais preciosos das placas. Responsável pelo projeto, o engenheiro químico José Rocha Andrade da Silva explica que o processo tradicional da mineração urbana utiliza a pirometalurgia, que derrete as placas. A tecnologia desenvolvida pelo CTI é baseada em processos químicos que dispensam as chamas e consomem menos energia. O Rematronic foi desenvolvido em parceria com a GRI, empresa de gestão de resíduos pertencente ao grupo Solví, dono de concessões nas áreas de saneamento e limpeza urbana, entre elas a Vega. O próximo passo é colocar o produto no mercado. Se der certo, será mais um impulso para transformar esse grave problema ambiental num negócio rentável.